sábado, 3 de março de 2012

Desilusão

O sino da igrejinha branca badalou anunciando a hora naquela pequena cidade. Exatamente cinco toques, correspondentes às cinco da tarde. Aquele barulho foi o suficiente para despertar um rapaz que, longe dali, assistia em transe aquele horizonte magnífico do crepúsculo.

Fisicamente estava ali, debaixo daquele pé de algaroba, mas seus pensamentos iam longe, além daquelas nuvens que salpicavam o céu de laranja e branco. O curioso é que, quanto mais ele se distanciava em seus pensamentos, mais próximo de si estava. Assistia com angústia desesperada ao filme dos seus sentimentos, como se eles passassem ali, numa tela imaginária, no lugar daquele horizonte tão belo que ele parecia desprezar.

Era um rapaz simples, mas longe de ser simplório. A vida toda fora um sujeito vibrante, daqueles que contagiam os que lhe rodeiam pelo viço de sua personalidade, pelo brilho de sua pessoa e do seu olhar, estava sempre entusiasmado com qualquer coisa. Mas agora... Bem, agora tudo era diferente. As vezes ele se perguntava quando foi que aquilo aconteceu. Em qual esquina do destino ele virou e deixou de trilhar aquela estrada bonita para se encontrar naquele beco sombrio e sem saída?

Sentia-se morto, como se tivesse desistido de si mesmo, tudo era frio, opaco e aguado. Há muito deixara de crer no que dizia aos outros, no que dizia a si mesmo... Já não mais cria na própria capacidade, de sorte que as forças lhe esvaíram e não lhe restara mais ânimo nem mesmo para perseguir antigos objetivos, manchados pelo lodo do desprezo. Questões que outrora ensejavam debates com os quais se empenhava a ferro e fogo em defender o seu ponto de vista, hoje, ao se deparar com uma dessas, dava de ombros e seguia a passos largos pela calçada da viela empoeirada da indiferença. De uns dias para cá, nem se dignava a dizer mais nada. Quando muito, murmúrios, isso se estivesse de bom humor. Não valia a pena.

Lembrou-se com desgosto do que havia pensado durante o almoço, quando a mulher que trabalhava na sua casa serviu a mesa e sentiu certa inveja. Sorte das pessoas mais simples, que não têm que enfrentar os conflitos existenciais. O caminho delas é tão mais fácil! Nem titubeiam, só seguem em frente, sem dúvidas, sem olhar para os lados ou para trás. Não lhes assediam as noites os problemas do universo, as indagações sobre valores que não fossem os das contas de luz a serem pagas. Gostava de pensar nessas questões como fardos de tijolos de cristais, pesados, difíceis de serem carregados e frágeis ao ponto de se estilhaçarem ao menor dos impactos. Depois de quebrados, cristal e caráter não se emendam.

Pensou tudo isso em uma fração de segundos, epifania de uma razão que agora já não mais fazia sentido. Ouviu o último badalo, soltou um suspiro resignado, desceu a rua e se afastou da algarobeira e de si mesmo, deixando para trás razão, paixão, sonhos e lembranças. Agora, nada mais importava.