domingo, 5 de agosto de 2007

Os doze trabalhos - Parte II

Certo dia, aproveitando a temperatura amena que o pôr-do-sol proporcionava e a ausência daquele déspota que era seu pai, saiu para uma cavalgada. O acaso a fez encontrar seu herói, que prontamente abandonou a sua caçada para deslumbrar-se com o feitiço da beleza incomum daquela moça, realçada pela alaranjada atmosfera crepuscular. Assim que fitou aqueles olhos azuis, soube que jamais teria sossego novamente. Hércules sentiu imediatamente a mão da maldita Afrodite naquilo tudo. Aquele breve instante definiria fatalmente a sua vida.

A moça, ruborizada, fugiu pra casa. Hércules acampou na frente da porteira da fazenda e ali permaneceu por trinta dias e trinta noites, suportando o abrasador inferno do meio-dia e o tiritante frio antártico da meia-noite. Solidão embalada pelo grito do silêncio daquela longínqua região, somente quebrado ocasionalmente por um uivo dos ventos, recado de Éolo mandado por Hermes via sedex. Até que na alvorada de um novo dia, o Coroné chega montado no seu imponente cavalo, ainda mais negro que aquelas noites solitárias que passara ali.

Sempre impecável com seu terno de linho branco, Euristeu dava claras mostras de que resistia bem ao tempo. Não era muito alto, mas o seu porte robusto e o seu ar marcial impunha respeito a quem o vislumbrasse, ainda que de longe... Tinha um queixo quadrado, pequenos olhos cinzentos, mas inteligentes e duros, realçando assim o seu aspecto viril.

Hércules o saudou e pediu cinco minutos de sua atenção, secamente negado pelo altivo Coroné, que marcou uma audiência para depois da sesta. Pontualmente o rapaz chega ao compromisso. Contudo, foi preciso esperar seu anfitrião, que era um tanto caprichoso. Meia hora depois, já sentado nos degraus da escadaria principal da casa comendo rapadura, nosso rapaz ouve o chamado de uma preta velha, muito gorda, já de cabeça branca. Aquela deveria ser a governanta da casa. Logo passou para a sala de estar, onde era esperado pelo Coroné, que, sentado confortavelmente numa poltrona que mais parecia um trono, fumava um daqueles charutos da terra de Fidel. E assim, respeitosamente, Hércules explicou em poucas palavras que se apaixonara pela filha do seu interlocutor. Não chegou sequer a fazer o pedido, foi interrompido por uma estrondosa gargalhada do Coroné, que não fazia questão nenhuma de ter um pingo de respeito pelo decidido rapaz.

-Você tem coragem filho, admiro isso em um homem. Façamos o seguinte, meu bom jovem: Darei a você a chance de me provar que é digno da mão da minha filha, depois disso conversamos. Procure meu capataz, ele te dirá o que fazer... Você vai poder mostrar o seu valor.

O capataz, maligno que só ele, deu as instruções com aquele sorriso meia-boca, como quem diz “pegasse na de Chico, parêa”. A tarefa designada ao nosso herói era árdua, mas nem de longe a mais dura que enfrentaria. Ora, se você assiste Discovery Channel, ou lê National Geographic, sabe que o Lobo-Guará é uma criatura tímida e furtiva. Entretanto, num dos ataques constantes ao galinheiro da fazenda, esse pobre animal fora mordido por um cão raivoso(hidrofóbico).

O Bicho andava pelas cercanias do galpão dos vaqueiros e já havia feito várias vítimas, inclusive o mais valente dos empregados da fazenda, numa tentativa fracassada de captura. Desafiando todas as expectativas, Hércules dominou o animal doente e o estrangulou. Retornou vestido com uma manta feita da pelagem espessa do bicho, confeccionada por ele mesmo aconselhado por um ancião que acreditava ter poderes mágicos.

Havia cumprido com certa dificuldade a tarefa designada, mas há que se considerar que nenhum outro conseguira de arma em punhos o que ele fez apenas com as mãos nuas. De fato, um feito impressionante. O Coroné, entusiasmado com o rapaz, destinou-lhe mais tarefas. Não havia outra maneira de ter a mão da filha do homem em casamento, tinha que cumprir os trabalhos arriscando seriamente a vida, sob pena de nunca mais ver a amada.

Escalou montanhas, dormiu no sereno dos grandes espaços abertos, comeu insetos e bebeu de cactos, realizando grandes feitos sucessivos, um mais incrível que o outro, e assim se seguiu por muito tempo. Hércules submetia-se aos caprichos de Euristeu por aqueles olhos que ele nunca haveria de esquecer.

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