quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Os doze trabalhos.

Era meio dia e trinta e seis minutos. O sol fustigava tão intensamente que parecia que Deus estava brincando de queimar com uma lupa. Não havia ninguém nas ruas daquele vilarejo. Não se pode sequer dizer que estava entregue às moscas, pois nem elas ousavam desafiar a fúria de Apolo.

Pessoas dormitavam em suas cadeiras de balanço nos terraços, cobrindo preguiçosamente o rosto com o chapéu de palha, paz quente da sesta sagrada. Na única cantina da pequenina vila, alguns bebuns, o cantineiro que era garçom, cozinheiro e dono do estabelecimento, algumas moscas... e eu.

Estava de passagem pela cidade quando o pneu do carro furou. Assim que pus os pés para examinar o que havia ocorrido, percebi que teria o mesmo destino que asas de Ícaro, se me propusesse a realizar a tarefa necessária – pior pesadelo feminino – trocar pneus.

Não havia outro remédio... Tinha que esperar. O calor era tão intenso que superava os mármores de Dante. Pedi uma cerveja gelada.

-Seu dotô, a gente tem freezer não, po mode que pelas banda de cá ainda num tem lúis. Mai tem uma cachaça da boa, lá do alambique do cumpadi Mané Osóro.

Praguejei qualquer coisa ininteligível, me queixando da sorte e aceitei a pinga oferecida. Sorvi de um gole só, sob os atentos olhares dos profissionais papudinhos de carteira, que queriam saber se o doutor engomadinho era cabra macho, sim senhor! A orelha esquentou e a garganta ardeu, aumentando ainda mais o calor que sentia. Afrouxei o nó da gravata.

Sabia que não poderia passar a tarde inteira ali, tomando cachaça, então, pedi uma cerveja mesmo natural (o natural daquele lugar era tão quente que a cerveja vinha praticamente escaldada), e instantaneamente me ocorreu a lembrança dos antigos egípcios, que bebiam o precioso líquido às margens do mar de areia e fogo, deserto do Saara. Eles também não tinham freezer. De modo que fiquei bebericando ali, enquanto assistia despretensiosamente ao sono do cachorro e a luta interminável de sua cauda contra as moscas. O cantineiro puxava prosa.

Ói dotô, sei que o sinhô é um ome de estudo e já correu esse mundo afora mai dessa que eu vou contar o sinhô nunca ouviu.

Não lhe dei muita importância no início. Ainda me interessava mais pelo rabo do canino.

Ele me contava que há alguns anos atrás, apareceu por aquelas bandas um “cabôco parrudo como eu nunca vi”. Alguns achavam que ele era “tantã” por causa de um hábito esquisito... saía falando sozinho e olhando pra cima, como se falasse com os céus. Era um mestiço alto, forte, pele acobreada e olhos claros. Seu nome era Hércules. O rapaz se apaixonou pela filha do corrupto “Coroné Euristeu” prefeito da vila.

A moça era lindíssima, daquelas que não faz esforço algum para sê-lo. Feminina, de feições delicadas, pele alva, cabelos negros, olhos tristes, doces e azuis, a bela rapariga desgostava das vilanias cometidas pelo seu pai. Quase não saia de casa... Quase.

Continua...

2 comentários:

Marina disse...

Adorei isso!! Principalmente a parte de "Deus brincando de esquentar com uma lupa".
Tô esperando a continuação.

Ane disse...

Não sei se encaro como elogio ou ofensa essa história de dizeres encontrar-me sempre a mesma...
quiseste me chamar de previsível tbm, né? (e depois que postei e esqueci de assinar ainda fiquei pensando que tu podias não se ligar que era eu hahaha)Ainda te pego nos chinelos, maguinho.
Beijos.