terça-feira, 7 de agosto de 2007

Os doze trabalhos - Parte III

A essa altura, a filha odiava o pai não apenas pelo canalha que ele era, mas por usá-la para forçar aquele bravo forasteiro por quem ela se apaixonara a resolver de maneira conveniente todos os problemas dele. De certa forma se sentia culpada, pois, indiretamente, ela causava sofrimento e provação ao ser amado. Por esta razão, odiava a si mesma. Vivia reclusa no quarto, não por vontade própria, pois não tinha anseio algum de se enterrar no mundo, mas por ordem expressa do pai.

Enquanto a beldade sofria e embebedava seus travesseiros com suas lágrimas, Hércules continuava com seus trabalhos. Capturou o filho do caos, Saci Pererê, criatura que parecia ter nascido na própria Caixa de Pandora. O negrinho perneta era um serelepe bagunceiro que virou a vila ao avesso. Era proibida por lei a criação deles, mas um fazendeiro local ignorou a norma e mantinha alguns em cativeiro, até que um danadinho se soltou e fez diabruras por onde passou. O vigia lá de casa jura de "pé junto" que o Katrina não foi nada de furacão, e sim um pestinha desses... Disse também que a causa de tudo é o que tem naquele "cachimbo catingoso", e que se você conseguir tomar, tem ele na mão. Foi assim que nosso herói conseguiu prendê-lo.

Derrotou Rodolfo, o barba ruiva, menino dos cabelos de fogo que vive na lagoa e não podia ver uma lavadeira que atacava logo e depois atirava suas vítimas aos crocodilianos que ansiosamente esperavam naquelas águas serenas.

Deu uma pisa em Cumadi Fulôzinha, que havia fumado um cigarro de palha que não era propriamente de palha, deixado por maldosos caçadores que queriam se aproveitar da ausência dela. Depois desse cigarro, a defensora da floresta viciou-se e quando estava sob o efeito do “boró” ficava muito doida. Estava fazendo trança até em cavalo de carrossel. Foi preciso Hércules dar uma surra de galho de goiabeira nela e raspar suas famosas madeixas trançadas pra ela deixar de safadeza. Cumadi Fulôzinha agora usa o fashion cabelo raspadinho estilo Ronaldinho e parece-me que tomou jeito.

Correu mais que o Curupira, o menino dos cabelos de fogo e pés virados. Esse trabalho foi um mero capricho de Euristeu, pois o Curupira era inofensivo. Já não se ouvia mais o tropel medonho e desenfreado das mulas-sem-cabeça... As mulheres já não viam mais graça nos padres de fala mansa e palavras doces.

A região sofria uma das maiores estiagens já vistas e as plantações da fazenda do Coroné Euristeu eram um grande árido plano com alguns talos secos que escaparam da fome canina dos bovinos que a esta altura jaziam no chão rachado - esqueletos calcários de uma brancura somente igualada pelas nuvens que ausentavam-se do céu. Hércules desviou o Riacho do Navio e o Rio Pajeú. Hoje eles vão dar no Rio São Francisco, como canta o velho Gonzagão.

Foi até Goiana e derrotou as mulheres de Tejucupapo, ferozes amazonas que outrora haviam expulsado o exército Orange. Capturou Maria Camarão, a Hipólita pernambucana, descrita pelo Almirante Lichthant como o próprio Leviatã. Era horrorosa, enorme, tanto vertical quanto horizontalmente. Dizem que o velho William Blake viu anos depois a fotografia no jornal e aquela imagem aterrorizou seus sonhos para todo o sempre.

O Lobisomem agora molha o biscoito ração no “leitxe com pêra” e em noite de lua cheia freqüenta a veterinária, inventa uma tosa mas todos sabem que é só para dar uma espiada naquela Poodle Toy... O problema é que ele é tímido e tem vergonha de falar dos sentimentos. O Papa Figo foi fazer seu tratamento de cirrose, já não bebe mais. Disse que foi o velho curandeiro cego, um tal de Tirésias, que lhe deu a receita de fígados de infantes. A fama de Hércules se espalhava por todo o interior do Nordeste, até a Besta Fera, que de besta só tem da cintura pra baixo, tratou de por suas ferraduras Iron Shox, ultima palavra da Nike em calçados para eqüinos e se mandou a galope acelerado. A danada corre até hoje.

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